sábado, 12 de novembro de 2011

Mentir dá trabalho - Neurociência

Segundo Suzana Herculano-Houzel em seu livro "Pílulas da Neurocência - Para uma vida melhor", mentir dá muito mais trabalho ao seu cérebro do que falar a verdade. Mesmo que consiga maquiar os sinais do corpo, o cérebro que trama uma mentira dá sinais visíveis, e talvez inconfundíveis, ao equipamento correto.

Em um estudo recente, Scott Faro e seus colegas da Universidade Temple, na Filadélfia, usaram ressonância magnética funcional, que mostra quais regiões do cérebro se tornam mais ou menos ativas a cada instante, para comparar o padrão de atividade no cérebro de 11 voluntários que negavam ter disparado tiros de festim com uma arma de brinquedo. Cinco dos voluntários podiam negar o fato sem peso na consciência, já os outros seis que haviam disparado a arma, precisavam mentir pra dizer a mesma frase. A diferença entre mentir e dizer a verdade sobre disparar uma arma fica evidente no cérebro: para produzir uma mentira é preciso apelar para a ativação adicional de várias regiões cerebrais, reconhecíveis no exame de ressonância funcional, além das estruturas que geram respostas verdadeiras. 

Tateando em terreno tão delicado, os primeiros estudos sobre os mecanismos cerebrais da mentira usaram protocolos simplificados, como apenas ler frases verdadeiras ou falsas. O estudo de Faro inovou ao usar uma situação (infelizmente) semelhante a vida real - negar ter disparado uma arma. Mas não respondeu a outra crítica comum: enquanto a mentira da vida real é secreta e de livre escolha, no estudo de Faro e nos anteriores não foram os voluntários que optaram por mentir ou dizer a verdade. E se a ativação diferenciada do cérebro for provocada pelo conflito de seguir uma ordem, e não pela mentira em si? Para ter utilidade jurídica, afinal, um detector cerebral de mentiras precisa saber reconhecer aquelas mentiras bem tramadas, secretas, contadas quando o autor bem entende.

O problema foi resolvido por outros neurocientistas da mesma cidade. Daniel Langleben e sua equipe, da Universidade da Pensilvânia, descobriram que mentir, em comparação com dizer a verdade, requer a atividade de regiões aidiocnais do cérebro também quando se trata de uma escolha livre dos voluntários, sem o conhecimento prévio dos pesquisadores. O experimento, aliás, também simulou situações da vida real: o blefe do jogo de pôquer, quando se finge ter cartas melhores do que se têm.

E que regiões do cérebro são essas que fazem o sucesso do mentiroso? São estruturas do córtex frontal e no cingulado anterior envolvidas normalmente no controle dos impulsos, na linguagem e na monitoração de erros, segundo trabalhos recentes de Langleben e sua equipe. E faz todo o sentido que sejam essas as regiões que vêm em socorro do mentiroso. Porque, para contar uma mentira, são necessários essencialmente três processos bem azeitados para não ser pego em flagrante: é preciso controlar o impulso de dizer a verdade (ou você mesmo se delata), ao mesmo tempo que se gera a mentira (o que equivale à confabulação dos amnésicos, cujo cérebro, na falta de lembranças, inventa estórias nem sempre plausíveis), e, durante todo o processo, é preciso monitorar os próprios atos em busca de erros (e ver se sua estória continua fazendo sentido). Diga a verdade, e nada disso é preciso.

É muito reconfortante descobrir que ao se deparar com tanto trabalho extra do cérebro para se dizer uma mentira, a neurociência constatou que falar a verdade parece ser o procedimento padrão do cérebro. Isso quer dizer que toda vez que se conta uma mentira, alguns neurônios em sua cabeça estão gritando desesperadamente "É mentira, não acredita no que ele está dizendo!", enquanto o córtex frontal tenta a todo custo mantê-los quietos. 

Por outro lado, não dá pra querer eliminar a mentira pela raiz. Primeiro porque tem uma função social muito importante. Um "você está linda" ou "tudo vai ficar bem" na hora certa são muito mais reconfortantes e animadores do que um honesto "você está gordinha, mas vou sair com você assim mesmo" ou "acho que você não vai conseguir o emprego, mas depois você arranja outro". Segundo porque mesas de pôquer perderiam toda a graça e, de embate psicológico entre blefadores profissionais, virariam mero exercício de sorte, onde tanto faz quem segura as cartas. E terceiro porque, sem a mentira, não existiriam cinema e teatro. Atores, pensando bem, são mentirosos profissionais e se por um lado os comerciais ficariam críveis (e quem sabe até mais engraçados!), você nunca mais poderia curtir aquele arrepio na espinha ao ver o mocinho-salvador-da-pátria-lindão-de-smoking se apresentar como "Bond. James Bond". Só sairia "Connery. Sean Connery"...

2 comentários:

  1. Boa noite, minha querida amiga Hoffmann!!!
    Bela matéria minha amiga, adorei conhecer essa análise da neurociência sobre a mentira, realmente é muito difícil manter viva uma mentira, mais tempo, menos tempo o cérebro acaba por trair o mentiroso, pois até mesmo ele sente necessidade de manter a verdade e acaba arrependendo de sua mentira... Melhor mesmo é sempre fazer uso da verdade, pois ela é eterna, não tem o que a mude...
    Parabéns pela excelente matéria, adorei minha amiga!!!
    Tenha uma linda noite e um maravilhoso e abençoado fim de semana!!!
    Abraços com carinho e muita paz!!!

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  2. Olá, Luis! Eu sou uma apaixonada por neurociências e esse livro é incrível! Por isso resolvi escrever a respeito e escolhi esse assunto por ser tão polêmico. A verdade traz paz ao nosso coração, quando fazemos uso dela, não há margem pra más interpretações ou sentimentos ruins. Obrigada pelo carinho, bom final de semana pra você também, abraço!

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