quinta-feira, 7 de abril de 2011

Complexidade do cérebro - Parte I

O seu cérebro é capaz de quase qualquer coisa. Ele consegue parar o tempo, ficar vários dias numa boa sem dormir, ler pensamentos, mover objetos a distância e se reconstruir de acordo com a necessidade. Parecem superpoderes de histórias em quadrinhos, mas são apenas algumas das descobertas que os neurocientistas fizeram ao longo da última década. Algumas dessas façanhas sempre fizeram parte do seu cérebro e só agora conseguimos perceber. Outras são fruto da ciência: ao decifrar alguns mecanismos da nossa mente, os pesquisadores estão encontrando maneiras de realizar coisas que antes pareciam impossíveis. O resultado é uma revolução como nenhuma outra, capaz de mudar não só a maneira como entendemos o cérebro, mas também a imagem que fazemos do mundo, da realidade e de quem somos nós. Siga adiante e entenda o que está acontecendo (e aproveite que, segundo uma das mais recentes descobertas, nenhum exercício para o seu cérebro é tão bom quanto a leitura).


 Os dedos da mão esquerda de um violinista fazem todo tipo de movimentos. Já os da mão direita fazem só um: segurar o arco, algo importante, mas simples. Todas essas ações são coordenadas pelo córtex motor, uma fatia acima da orelha que possui um mapa de todo o corpo: um pedaço coordena o pé, outro, a perna, e assim vai até a cabeça. Quando os cientistas analisaram esse mapa em violinistas, repararam em algo curioso: a região que comanda os dedos da mão esquerda é maior do que a da direita. O cérebro se adapta ao estilo de vida do seu dono.

O mesmo acontece com todo mundo. Quem lê textos em braile desde pequeno utiliza para o tato uma parte do cérebro normalmente ocupada pela visão. Em pessoas que perdem um braço, a área que recebia sensações desse membro se liga a outras partes do corpo, como o rosto, o que às vezes gera “dores fantasmas”: um toque na bochecha é interpretado como uma lesão no braço. Aliás, não se assuste, mas, agora mesmo, este texto e tudo o mais a sua volta estão deixando marcas físicas no seu cérebro.

Está aí a revolução: segundo os cientistas, o seu cérebro é muito elástico. Há menos de 20 anos, imaginava-se que ele era como um computador, uma máquina com circuitos fixos, em que tudo o que se podia fazer era acrescentar informações. Agora se sabe que não. “O hardware também é aprendido. Caminhar, falar, mover partes do corpo envolve experiência e memória”, diz Iván Izquierdo, neurocientista da PUC gaúcha. O cérebro se reiventa, cria novos neurônios, novas conexões e novas funções para áreas pouco utilizadas.

Não é de espantar que os cientistas tenham demorado a perceber isso. Até 3 décadas atrás, tudo o que se podia fazer para estudar o cérebro humano era abrir a cabeça e olhar dentro. Alguns chegaram a fazer isso com pacientes vivos, mas o normal era esperar as pessoas morrerem e depois olhar o que sobrava. Na época, as principais descobertas vinham de pesquisas com animais ou com pessoas com lesões no cérebro – por exemplo, se alguém perdia o hipocampo e, junto com ele, a memória recente, é porque os dois deviam estar ligados.

Agora os cientistas conseguem desde entender como os genes dão origem às moléculas do cérebro até simular em computador conjuntos de neurônios. E surgiram maneiras de observar o cérebro em atividade, graças, principalmente, à ressonância magnética funcional (RMF), uma espécie de telescópio Hubble para os neurocientistas. O princípio é colocar o paciente em um campo magnético tão forte que, pendurado em um guindaste, seria capaz de levantar dois carros juntos (o que mostra por que não é uma boa idéia aproximar objetos metálicos de aparelhos como esse). Essas circunstâncias possibilitam detectar, por ondas de rádio, o fluxo de sangue oxigenado para diferentes partes do cérebro, o que indica as regiões mais ativas em cada situação.

A técnica permitiu, pela primeira vez, mapear o cérebro em funcionamento. Também enterrou aquela idéia de que só usamos 10% da nossa mente: todo o cérebro trabalha o tempo inteiro. Mas, de acordo com o que fazemos, algumas partes são mais ativadas que outras (veja quadro na página 54). Nos últimos anos, as pesquisas mostraram os sistemas que acendem em situações como se apaixonar, tomar uma decisão, sentir sono, medo, desejo de uma comida ou até schadenfreunde, palavra alemã para o prazer de ver alguém se dando mal (que, percebeu-se, é mais intenso em homens). “Estamos decifrando a linguagem com que as áreas do cérebro conversam. É possível que os sistemas que conseguimos ver sejam como um arquipélago: parecem ilhas isoladas, mas, por baixo, são parte de uma mesma montanha”, diz o radiologista do Hospital das Clínicas Edson Amaro, membro do projeto internacional Mapeamento do Cérebro Humano.

O que complica as pesquisas é que, assim como não existe pessoa igual a outra, cada cérebro é diferente. Além disso, a aparência dos neurônios não é um indicador fiel do que acontece na cabeça. “Existe quem morra com problemas de memória e, na autópsia, se percebe que o cérebro estava perfeito. E também os que não apresentaram problemas até o fim da vida, mas têm um cérebro danificado”, diz Lea Grinberg, uma das coordenadoras do banco de cérebros da USP, que reúne e tenta comparar 3 600 amostras para resolver problemas como esse. Mesmo ainda misterioso, é provável que seja esse o ponto em que o modo como você utiliza o cérebro faça a diferença.

“É como um músculo: se você exercita, você está mais protegido contra problemas”, diz Lea. Em caso de danos ao cérebro – seja causado por doenças como Alzheimer ou por pauladas na cabeça –, pessoas com bom nível educacional ou QI alto sofrem perdas menores da capacidade cerebral. Ao que tudo indica, exercitar o cérebro cria uma espécie de reserva. É possível que, quando necessário, os atletas mentais consigam recrutar outras áreas do cérebro mais facilmente, ou talvez compensem a perda por usarem cada área de forma mais eficiente.

Aliás, uma boa notícia: só o fato de você estar lendo este texto já é um começo. “Leitura é um exercício fantástico. Quem não lê está fadado a uma memória mais lenta”, diz Izquierdo. Enfrentar desafios e sair da frente da TV também ajuda, assim como fazer exercícios físicos. Eles não só permitem que o seu cérebro funcione melhor como, provavelmente, fazem nascer novos neurônios.

Fonte: Superinteressante
          

5 comentários:

  1. Gostei muito do artigo, muito interessante.
    Abraço.

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  2. Excelente esta matéria. Océrebro é mesmo surpreeendente. Adoro a Superinteressante!

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  3. excelente matéria, parabéns.
    É muito bom saber que o nosso cérebro é capaz de tantas façanhas.

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  4. belíssimo artigo. Gostei muito.
    Sucesso!

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